P-BIO
12 de setembro de 2023
Em todo o mundo, estima-se que existam cerca de 8 mil doenças raras (DR), sendo que, a cada semana, são descritas cinco novas doenças. Não obstante o número reduzido de pessoas afetadas pelas DR, é essencial que estas sejam consideradas como uma prioridade para a saúde pública em Portugal, mostrando-se igualmente necessário discutir sobre as dificuldades que as pessoas com DR enfrentam, não só ao nível do diagnóstico, mas também do tratamento e do acesso aos medicamentos órfãos. Por conseguinte, não é possível discutirmos estes desafios sem refletirmos, em simultâneo, sobre os novos caminhos e oportunidades para o futuro das DR.
No seu global, as DR afetam cerca de 320 milhões de pessoas. Destas, mais de metade são crianças e cerca de 30% morrem antes dos 5 anos de idade, sendo esta a maior causa de morbilidade e mortalidade infantil nos países desenvolvidos. Em Portugal e na União Europeia, consideram-se DR aquelas que têm uma prevalência inferior a 5 em cada 10 mil pessoas. Na Europa, segundo a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), as DR afetam cerca de 30 milhões de cidadãos, correspondendo a aproximadamente 7% da população total, incidindo predominantemente nas crianças. Já em Portugal, a Direção Geral da Saúde (DGS) estima que as DR afetem entre 600.000 a 800.000 pessoas.
Embora as DR se constituam como um problema de saúde com baixa incidência, têm um grande impacto na vida das pessoas portadoras, nos seus familiares e respetivo contexto social, especialmente quando sofrem de doenças mais graves, incapacitantes ou difíceis de controlar. No entanto, a verdadeira dimensão deste problema ainda não é conhecida, contribuindo para isso diversos fatores, como por exemplo, a dificuldade no recrutamento de doentes para a realização de ensaios clínicos, uma vez que o reduzido número de doentes existentes nem sempre permite garantir uma população estatisticamente representativa. Consequentemente, estas limitações vão influenciar o desenvolvimento de medicamentos órfãos, destinados às DR. A nível europeu, este tema deverá ser discutido, em breve, aquando da publicação da proposta de revisão do Regulamento Europeu sobre os Medicamentos Órfãos, cujo objetivo será impulsionar a investigação e o desenvolvimento de medicamentos órfãos.
Outros dos principais fatores passam pela dificuldade em diagnosticar e tratar este tipo de doenças, em comparação com outras patologias, devido à ausência de conhecimento da fisiopatologia da doença, de normas clínicas bem definidas para cada doença e ao menor número, ou ausência de tratamentos existentes. Desta forma, a colaboração e a partilha de informação a uma escala global pode dar um importante contributo no processo de caracterização destas patologias, etapa essencial no desenvolvimento de novos tratamentos.
Neste sentido, o desafio é muito grande ao nível de cuidados de saúde, tanto primários como hospitalares. A maioria destas doenças são graves e incapacitantes, complexas, multissistémicas, com aparecimento precoce e predominância em idade pediátrica, com diagnóstico difícil e tardio, um prognóstico desfavorável e limitado número de medicamentos e tratamentos específicos.
Face ao exposto, apelamos urgentemente às entidades nacionais competentes para:
● disponibilizar informação detalhada e atualizada relativamente à avaliação da Estratégia Integrada para as Doenças Raras 2015-2020 e promover um debate público alargado relativamente à necessidade premente de uma nova e atualizada Estratégia.
● a coordenação entre as diferentes comissões oficiais portuguesas e outros stakeholders na área das DR, entre eles, os hospitais e equipas multidisciplinares individuais, os responsáveis locais dos diferentes centros de referência (CR) e/ou membros portugueses das diferentes redes europeias de referência (ERNs) e os representantes de Associações de Doentes e Sociedades Científicas.
● a convergência entre o plano para centros de referência nacionais e as ERNs, dado o benefício e o potencial das ERNs para agilizar a criação e implementação de ensaios clínicos com medicamentos órfãos, assim como desenvolver recomendações de boas práticas para a sua utilização na prática clínica.
● a existência de uma convergência entre o plano de Centros de Referência a nível nacional e as Redes de Referenciação Hospitalar.
● a capacitação e apoio adequado às equipas dos diferentes CR, de forma a que as equipas tenham adequado apoio administrativo, informático ou de execução de ensaios clínicos, entre outros.
● a implementação de um conjunto de medidas de apoio aos CR e membros das ERNs, tais como: formar equipas específicas, diretores de serviço, administradores hospitalares e os conselhos de administração sobre incentivos a serem criados, assim como sobre os indicadores de monitorização/vigilância; assegurar que cada utente com uma doença rara é corretamente contabilizado; contabilizar outras atividades, além de consultas e procedimentos ou publicações; criar mecanismos de monitorização do efeito dos referidos incentivos financeiros a curto prazo; criar incentivos específicos para as equipas que integrem ERNs; estudar a hipótese de financiamento direto não competitivo aos CR ou grupos de CR.
● melhorar a informação em português sobre os CRs e as ERNs, desde os sítios online dos hospitais aos sítios oficiais do portal do SNS, da DGS, da própria Comissão Europeia e da Orphanet.
● garantir um acesso equitativo a medicamentos órfãos seguros e eficazes a todos os cidadãos que deles necessitem.
Deste modo, podemos afirmar que as DR constituem um teste à Humanidade no seu global. A qualidade de vida e bem-estar de uma pessoa com uma doença rara será provavelmente um dos maiores indicadores de evolução ou desenvolvimento tanto a nível civil, social e político como a nível técnico-científico. Como tal, é de extrema importância mobilizar a sociedade, os decisores políticos e os stakeholders envolvidos para os problemas e desafios que afetam as pessoas diagnosticadas com doenças raras.
São signatárias desta Carta Aberta:
Raríssimas – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras
P-BIO – Associação Portuguesa de Bioindústria (Grupo de Trabalho das Doenças Raras)
APFH – Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospitalares
APN – Associação Portuguesa de Neuromusculares
FEDRA – Federação de Doenças Raras de Portugal
Ordem dos Enfermeiros
Ordem dos Nutricionistas
SPFCS – Sociedade Portuguesa de Farmacêuticos dos Cuidados de Saúde
SPMI – Sociedade Portuguesa de Medicina Interna
NEDR – Núcleo de Estudos de Doenças Raras da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna
SPNP – Sociedade Portuguesa de Neuropediatria
RD-Portugal – União das Associações das Doenças Raras de Portugal
Referências:
– Livro Branco das Doenças Raras e dos Medicamentos Órfãos em Portugal, 2020
– O Impacto da Inovação nas Doenças Raras, Rui Santos Ivo, Observador. Disponível em 23 de fevereiro de 2021
https://observador.pt/opiniao/o-impacto-da-inovacao-nas-doencas-raras/
– Medicamentos órfãos e a realidade portuguesa, Joaquim Marques. Jornal Público. Disponível em 30 de dezembro de 2022
https://www.publico.pt/2022/12/30/opiniao/opiniao/medicamentos-orfaos-realidade-portuguesa-2033210
– Revisions for the better: How Europe should boost the development of rare disease medicines, Julien Poulain. Disponível em março de 2023
https://www.eurordis.org/revisions-for-the-better/